Teatro na Educação


O teatro infantil existe e é o método pelo qual a
criança cresce e amadurece. (Courtney)



A escola é o ambiente onde a criança estabelece suas primeiras
relações sociais, que são vínculos diferentes dos familiares, requer uma
constante adaptação, pois se defronta com a diferença, com o
desconhecido e precisa aí, junto com o grupo encontrar meios e normas
para a convivência e a produção coletiva.
E, se o teatro permite ao sujeito observar-se, se ele apresenta as
mais diversas formas de relação favorecendo o conhecimento do
sujeito e das relações que se estabelecem na sociedade, então ele é,
por natureza, educativo, sem dúvida. Contribui na construção do
conhecimento sobre as relações, sobre o ser humano.
O teatro pode se aplicar à educação, basicamente em quatro
vertentes: como uma peça teatral a ser apreciada, revelando toda a
magia do teatro enquanto Arte; como uma peça teatral educativa;
como recurso metodológico auxiliar na aprendizagem de diferentes
disciplinas, em sala de aula; ou como uma prática artística específica.
O teatro profissional dirigido ao público infantil e jovem tem uma
grande responsabilidade, pois introduz um público no universo teatral
e educa essa platéia para a apreciação dessa arte.
A utilização do teatro profissional como um recurso educativo,
apresenta resultados muito interessantes, pois encontra na ação
dramática sua melhor condição para atingir seu espectador-educando
o mais amplamente possível, já que a identificação e a mobilização
emocional é muito intensa na relação com uma obra teatral.
Nesse sentido, o teatro pode ter uma influência muito positiva no
comportamento dos estudantes, apresentando-lhes referências
alternativas de autoconceito, identidade e compromisso com as
pessoas, como observou Barbara Rothman (1997), quanto ao efeito
que uma peça teatral pode exercer sobre os estudantes.
Vários projetos educacionais são desenvolvidos a partir de uma
peça teatral. Carol Miller (1996) mostrou como um professor dirigiu a
peça No more secrets, focalizando a prevenção de abuso sexual em
crianças. Afirma que as crianças transferem o conhecimento sobre o
abuso sexual e liberam suas experiências emocionais, encorajando-se
para revelar o abuso que sofrem.
Portanto, não só o exercício teatral, mas também a contemplação
de uma obra teatral possibilitam esta experiência que integra os
sentidos, os sentimentos e o intelecto no processo de conhecimento.
A condição lúdica do teatro favorece a motivação dos alunos
quando associado a alguma disciplina, tornando as aulas muito mais
dinâmicas e os conteúdos mais integrados ao processo de
aprendizagem.
E por fim, temos a prática do teatro como atividade educativa.
Nesse sentido, o teatro tem seu método próprio de educar e de produzir
conhecimentos, sendo uma forma de livre educação, que leva a um
reconhecimento da teatralidade que é inerente ao ser humano, mas que
é muitas vezes abandonada ao longo da infância.
O exercício teatral, ou o teatro, é um exercício social, um
laboratório humano onde se experimentam e se testam relações, onde
se descobrem e se redescobrem sentimentos (que podem estar
presentes nas relações) e se criam, se descobrem coisas sobre o ser
humano que somos.
O teatro é uma oportunidade para as crianças desenvolverem
habilidades de interação social e pensamento crítico, consistindo em
um recurso educacional muito rico viável ao desenvolvimento das
crianças, como Lou (2000) considera.
Blatner (1995) define o teatro na educação como higiene mental,
e até como um meio de prevenção psiquiátrica, desenvolvendo hábitos
de autocuidado. Mostra em seu trabalho (Drama in education as mental
hygiene: a child psychiatrist’s perspective.) que os role-playing ajudam
bastante no desenvolvimento de habilidades metacognitivas e
promovem higiene mental durante seu processo.
O teatro mostra, entre outros, um importante valor emocional, pois
possibilita uma válvula de escape por meio da qual a criança pode
realizar uma catarse emocional e aliviar sua pressão interna.
O teatro vem do jogo, e não deixa de ser um jogo, uma vez que
envolve pessoas compartilhando uma experiência à parte da realidade,
dentro de delimitações de espaço, tempo e regras. Porém caracterizase
por um jogo essencialmente dramático, pois contempla a presença
marcante da personificação, seja como imitação, seja como criação,
mas evidencia características de personalidade de uma personagem.
Então na prática do teatro educacional, encontramos os jogos
dramáticos, como exercício teatral, a improvisação ou criação dramática
espontânea e podemos contemplar, ainda, a criação teatral
propriamente dita, em forma de peça teatral que vai envolver uma
platéia.
Os jogos dramáticos são utilizados como exercício teatral,
principalmente como aquecimento. Envolvem situações imaginárias, que
constituem o campo do jogo e os participantes entram no jogo como
personagens para desempenhar um determinado papel.
A improvisação dramática, partindo do próprio jogo, caracteriza-se
por uma ação dramática previamente preparada por um grupo, podendo
partir de um tema escolhido pelo grupo ou sugerido pelo professor.
O ser humano desde os tempos mais remotos já utilizava o jogo
dramático, assim como a criança, naturalmente, o inclui em seu
repertório de brincadeiras desde muito cedo, tornando-se parte
indispensável no processo de desenvolvimento.
O jogo dramático é um brinquedo que permite à criança
expressar-se por meio de seu corpo e sua voz. Interagir e relacionar-se
real ou imaginativamente com pessoas e situações de sua vida e de sua
fantasia conforme seu desejo ou necessidade.
O jogo dramático é antes de tudo uma maneira da
criança pensar, comprovar, relaxar, ousar, criar e
absorver. (SLADE, 1958: 17).
Observo que ainda que ao brincar a criança encene a “realidade”,
utilizando-se de uma situação imaginária em que estará representando
seu papel da vida real, ela age em função de regras próprias que
estabelecem o que ela pensa que deveria ser, e não necessariamente o
que é de fato. Como no caso de representar o papel de filha, ela
representaria o que ela acha que uma filha deve ser, que pode não
corresponder diretamente ao que ela é.
Assim, o brincar dramático funciona como um sistema de
autocontenção e autodeterminação (como diz Piaget), em que a criança
se utiliza de uma regra interna. Em resumo, o jogo dramático cria na
criança uma nova forma de desejos. Ensina-a desejar, relacionando
seus desejos a um eu fictício, ao seu papel no jogo e suas regras.
Quer dizer, por envolver uma situação imaginária, o jogo
dramático envolve também um repertório de regras de comportamento
que definem um determinado "papel", direcionando e oferecendo limites
às ações da criança na brincadeira.
O jogo dramático abre a perspectiva de recuperar toda
experiência outrora vivida ou imaginada; podendo reviver a
experiência, pode-se também reformular o que já era conhecido
amplificando e ampliando as referências do indivíduo.
Entendo que a prática do jogo teatral apresenta uma perspectiva
bastante salutar à educação, do ponto de vista psicológico, por
possibilitar a integração da criança: corpo-emoção-pensamento.
E a grande riqueza da realização, observação e sobretudo da
prática de um jogo dramático está no fato de que a experiência
intelectual obtida não está desvinculada da experiência emocional e
sensibilidade.
Os exercícios dramáticos colocam a criança em contato direto
com suas emoções, abrindo-lhe a possibilidade de conhecê-las, lidar
com elas e expressá-las. Jogando com elas simbolicamente.
Toda experiência de um jogo dramático pode ser facilmente
transferida para uma situação real. Assim sendo, possibilita que a
criança experimente diversas maneiras de lidar com suas experiências
e seus conteúdos internos, sendo a dramatização uma maneira de a
criança pensar sobre eles.
Em suma, o jogo dramático faz parte do repertório de jogos de
qualquer cruança. Ninguém precisa ensiná-los, pois constituem a base
da atividade infantil e expressamente essenciais ao desenvolvimento da
criança, pois de maneira natural e espontânea ela consegue solucionar
seus conflitos, o que contribui ativamente com sua maturação.
O jogo dramático é um brinquedo que se apóia na improvisação,
que tem por finalidade a libertação da criança, levando-a a adquirir
novas linguagens, domínio corporal e emocional e ter acesso à
linguagem teatral.
Da mesma forma que nas outras artes, o teatro na educação não
tem finalidade artística e sim educativa. A criança não precisa
interpretar uma personagem, mas experimentá-lo e brincar de ser essa
personagem, reconhecer-se nele e assim poder se conhecer.
Diferente do jogo dramático, o teatro envolve uma maior
elaboração da ação dramática e parte de um texto, uma estória ou
situação previamente definidas, enquanto o jogo dramático desenvolvese
de maneira livre e espontânea. Porém é o jogo dramático, seja ele
espontâneo ou proposto, que alicerça a representação teatral.
Leenhardt (1977) define o teatro como a arte de parecer, de
exprimir a realidade representando-a, a arte de mostrar a vida sem a
viver. Ele repara a idéia de que o ator torna-se a própria personagem,
ressaltando que o ator mesmo não deve identificar-se profundamente
com o papel, e que seu esforço é no sentido de traduzir o pensamento
de um outro e não o seu próprio. Entendo que esta definição refere-se
ao teatro profissional, com finalidade artística.
A criança não tem ainda acesso ao processo psicológico
necessário à representação teatral mais formalizada. Isto porque a
criança, ao jogar, imagina que de fato está exprimindo a realidade, e
esta é sua intenção, enquanto o ator tem consciência de que se trata de
uma aparência e tem recursos para diferenciar aquilo que é seu do que
corresponde à personagem.
A representação teatral enquanto técnica educativa pode definirse
dentro de duas vertentes, a princípio: uma que busca o
desenvolvimento da capacidade de expressão pela da disciplina do
corpo, dos desejos e das emoções para obter uma vida equilibrada; e
outra que, sem estabelecer uma oposição nítida a esta tendência,
releva os aspectos da sensibilidade e do sentido artístico, privilegiando
a expressão dramática como suporte da imaginação e por
conseqüência, de todas as formas de expressão artística.
Courtney(1974) fala de uma educação dramática ao invés de
teatro educacional. Para ele, o teatro em si, vai sendo inserido no
processo de educação dramática no início da adolescência. Até esse
momento, a criança pratica os jogos dramáticos com fim em si mesmo,
direcionados para o seu desenvolvimento.
Para o teatro educacional, o processo de criação e a experiência
vivencial é que devem ter qualidade, e não o produto deste processo.
Poucas crianças podem realizar um bom teatro, uma brilhante
interpretação, mas não há que se preocupar tanto com o resultado
artístico, e sim com o desenvolvimento, o mais integral possível das
crianças, valorizando, sempre, o processo de trabalho acima do produto
final, lembrando que um processo de trabalho de boa qualidade vai
gerar um bom produto final. Mas um produto que agrade ao adulto nem
sempre é fruto de um bom processo para a criança.
Também para Leite(1980), o objetivo do ensino de teatro na
escola, não é de formar atores, mas de contribuir para a formação
global do aluno. Por isso deve-se evitar desviar-se para um outro
objetivo como montar uma peça para exibir aos pais, atentando-se para
não facilitar a contaminação pela vaidade, que pode comprometer, até
mesmo, a sinceridade na representação dos papéis.
Em caso de inclusão de uma platéia no “exercício dramático” ou
espetáculo teatral realizado por crianças, esta deve ser constituída pelo
próprio grupo das crianças, por seus pais e ser realizada dentro do
ambiente escolar. O produto desse processo pode ser compartilhado,
aliás, as crianças esperam por isso, mas dentro de seu grupo de
colegas e pais, com zelo e cautela.
Quando a preocupação volta-se para uma “boa encenação”, é fatal
que se incorra em um erro grave: escolher crianças bem dotadas para
realizarem o teatro, transformando o teatro em um meio de exclusão
muito claro, e estimulando nas crianças um cabotinismo que corrompe o
processo educativo.
Assim, quanto mais livre e espontâneo for o processo criativo,
quanto mais se possibilitar a manifestação autêntica da criança, mais
adequado e produtivo será o teatro educacional.
O que parece ser consenso é que os jogos teatrais são poderosos
recursos, completamente viáveis e à disposição do educador, para
promover amadurecimento emocional, intelectual e social em seus
educandos.
Outra possibilidade, porém delicada, é a utilização do “teatro
livre” na escola, onde o grupo vai avaliar limites, erros e acertos de
cada um, podendo abrir caminho para um psicodrama. O professor nem
sempre está preparado para acolher e trabalhar com o fruto dessa
prática adequadamente, podendo expor a criança e oferecendo risco à
sua integridade e à do grupo.
Basicamente devem ser focalizados nas aulas de teatro na escola,
ou na educação dramática: a improvisação, que pode ser livre ou
orientada (denominada teatro criativo, por Slade), o movimento criativo,
a linguagem criativa e a encenação propriamente dita, seja de um texto
escrito (preferencialmente pelas próprias crianças), seja de uma estória
previamente conhecida, cujo texto é deduzido, e não formalizado
(caracterizando-se quase como uma improvisação).
Vários autores defendem a exclusão dos textos prontos das
atividades dramáticas com jovens e crianças, a fim de favorecer o
processo de criação, de construção da imagem cênica que se quer
comunicar, evitando a submissão às idéias de um autor.
O texto, para a criança e para o adolescente, já se torna uma
barreira à expressão, pois, preocupados com a palavra, estes reduzem
sua representação à palavra fixando-se na fala e deixando de lado toda
a expressão corporal e visual; e o teatro precisa ser completo,
envolvendo todo aspecto visual corporal e cênico.
O teatro requer da criança uma comunicação cada vez mais
eficiente, e os exercícios permitem que ela experimente diferentes
maneiras e recursos para se comunicar, enquanto o grupo dá a ela o
feedback, em que ela perceberá a distância entre o que pretendeu
comunicar e o que de fato comunicou, dando-lhe a oportunidade de
aprimorar-se. Aí entra a qualidade de encorajador e nutridor do
responsável pelo grupo. Para esse aprimoramento, a criança vai,
mediante os exercícios dramáticos, adquirindo controle verbal e de seus
movimentos corporais.
Considerando que o teatro em sua maior parte constitui uma
atividade grupal, seu exercício conduz ao aprendizado do trabalho
cooperativo, organizado e ao sentido de grupo (ou sociedade).E
aplicado à educação, possibilita um maior ajustamento individual e
grupal, por proporcionar um melhor conhecimento de si mesmo e do
outro.
As salas de aulas da grande maioria das escolas são formadas
por excessivo número de alunos, e possibilitam pouquíssimas
oportunidades de relacionamentos interpessoais, trocas e “exercício” de
grupo. Com isso limita-se muito as possibilidades de confronto de
idéias, troca de experiências e aprendizagem social.
Outros espaços, mais férteis para a aprendizagem social e o interrelacionamento
precisam ser estabelecidos. E atividade teatral se
constitui útil e agradável, nesse sentido, mas requer condições
diferenciadas das de sala de aula.
Entendendo-se por educar a descoberta e utilização de maneiras
diversas de contribuir efetivamente para o desenvolvimento do ser
humano em direção à sua autonomia, contribuindo, conseqüentemente,
para a sociedade em que este indivíduo está inserido e da qual se faz
transformador, é que se entende o teatro como um meio, um recurso de
e para a educação.
Lopes(1989) aborda o teatro como uma prática de educação e de
educação da criatividade. Considera-o como uma forma de arte popular
e que devolve ao indivíduo sua condição original de “ser bem e
propriedade comum” e, sendo um meio de educação popular deve poder
ser praticado por todos os que queiram uma transformação social.
A riqueza da expressão dramática está em seu aspecto de
totalidade. Ela possibilita e propõe diversificadas formas de expressão
verbal, gestual, corporal, musical ou até mesmo plástica, por meio da
improvisação, seja ela livre ou direcionada por um determinado tema
que guia a imaginação da criança. O educador vai orientar, às vezes
dirigir e supervisionar o desenrolar do jogo da criança, tornando-o uma
prática educativa da expressão.
Leenhardt(1977) aponta para uma falta de discussão e propostas
políticas que transformem o enfoque da expressão, e que se dediquem
a avaliar o lugar da expressão dramática na escola, a fim de instituí-la
significativamente no quadro escolar.
Para que a escola possa desempenhar esse papel de incitadora
da expressão infantil, deve poder contar com psicólogos acompanhando
as atividades de expressão das crianças. Pode lhes ser mais
compreensível, que a outros profissionais, exercendo uma ação mais
preventiva que a usualmente exercida nas escolas.
Para que possa ocorrer qualquer mudança efetiva na educação,
há que ser realizada a partir da escola, porque é onde a criança está,
onde mais estabelece relações sociais, onde se forma ou se deforma.
Assim sendo, é justamente da escola que deve partir a busca de todas
as possibilidades de expressão da criança.
A “defesa” das possibilidades de expressão da criança vem de
áreas diferenciadas, mas são concordantes entre si. Para a psicologia
trata-se de uma capacidade pessoal e de equilíbrio que auxilia o
desenvolvimento do indivíduo numa das fases mais importantes de sua
vida, a infância. Para o pedagogo (professor), contribui para construção
de um sujeito crítico, comunicante, expressivo, na formação de sua
personalidade e dá abertura à sublimação da linguagem artística. Para
o sociólogo, a importância dada à expressão cria recursos materiais e
psicológicos (mais que intelectuais) para o desenvolvimento de
indivíduos capazes de destinar seu tempo ao ócio e à criatividade,
constituindo uma sociedade mais feliz.
Mas entendo que quando defendemos a expressão, lutamos pela
liberdade e ajudamos a resgatá-la nas instâncias onde está perdida.
Aquele que não pode se expressar (por não saber, não conseguir ou
não ser permitido) deixa que os outros o façam em seu lugar, cedendo
seu lugar de ser e estar no mundo a outro. E com isso deixa de existir,
despindo-se de si para uniformizar-se de um outro qualquer.
Percebo no teatro uma enorme possibilidade de se pensar e se
aprender sobre o ser humano em sua relação com o mundo, com seu
momento e com os outros seres humanos. Preservando e reconstruindo
seus valores, emoções, imaginação e criatividade, que vem se
perdendo e se desvalorizando nos últimos tempos, deixando-o vazio de
existência.

FONTE:http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/












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